terça-feira, 8 de julho de 2008

NEM TUDO ... na mídia

Começa a repercutir o lançamento do livro Nem Tudo é Verdade!
Confirma nos links abaixo
http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/revistaNossaAmerica/29/revista29-port.pdf
http://lucenaweb.blogspot.com/2008/07/nem-tudo-verdade_01.html
http://oglobo.globo.com/blogs/docblog/post.asp?cod_post=110298
http://www.abdnacional.org.br/noticias.html
http://www.jota7.com/social/0841/social_jota7_com_naira_lira_e_greice_dos_anjos.html
http://www.roraimahoje.com.br/lerNoticia.php?tipo=noticia&id=5228
http://www.roraimahoje.com.br/lerNoticia.php?tipo=noticia&id=5303
http://www.paulinianews.com.br/?pg=noticia&id=7231
http://ondalatina.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=1

sábado, 5 de julho de 2008

LIVRARIA CULTURA DISTRIBUI NEM TUDO É VERDADE

A partir do lançamento, dia 09, no Festival Paulinia de Cinema, o livro NEM TUDO É VERDADE! estará a disposição na LIVRARIA CULTURA.
Visite www.livraria cultura.com.br

terça-feira, 1 de julho de 2008

NEM TUDO É VERDADE!


NEM TUDO É VERDADE!

Luiz Carlos Lucena

texto publicado na revista AMERICA, do Memorial da América Latina, em
http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/revistaNossaAmerica/29/revista29-port.pdf

O documentário brasileiro ganha status de produção autoral, encontra espaço nos cinemas, agrada críticos e público junto com os filmes de ficção da chamada retomada, o último dos ciclos que marcam a cinematografia brasileira. A imprensa detecta a tendência e enche páginas com seus comentários.
Seria inadequado dizer que o trato com esse gênero que cresce e se consolida pegou de calças curtas uma crítica acostumada à interpretação do cinema de ficção – mas isso acontece. Documentário parece ser novidade para a crítica cultural. Talvez por isso, nesse abril em que se repete a apresentação da produção mais recente de documentários de vários paises, mais uma vez o título de um dos mais importantes festivais da categoria – É Tudo Verdade – repercute na mídia que ainda insiste em reforçar o conceito que se cristalizou entre a crítica cinematográfica que vê o filme de não-ficção como um retrato da realidade.
“Eles têm sede de VERDADE”, assim, reforçando a ultima palavra no maiúsculo, é como um importante diário comenta novos documentaristas presentes no festival este ano. Em março do ano passado “A verdadeira face de tudo” é a manchete que comenta o festival. Outro título faz referência a dois filmes clássicos no alto da página com a chamada “A hora e a vez do ´cinema do real´”, comentando em agosto de 2006 a estréia simultânea de cinco filmes de não-ficção, um deles objeto de nossa discussão adiante. A afirmação é reforçada pela vinheta sobre o título (Cinco Vezes Verdade), referência talvez ao conjunto de pequenas histórias reunidas em Cinco Vezes Favela, o filme que é considerado um dos detonadores do Cinema Novo.
Ou seja, os conceitos que procuram explicar o documentário continuam marcados pela visão de que esse tipo de filme está relacionado com a reprodução de uma realidade objetiva do mundo. O documentário continua visto de forma imediatista e por considerações ultrapassadas pelos comentaristas de cinema e mesmo alguns círculos acadêmicos, apesar dos estudos sobre a virtualização da imagem, a imagem numérica com sua maleabilidade na ilha de edição, das discussões sobre subjetividade e objetividade no cinema, as questões sobre representação.
Essas considerações exigem uma nova epistemologia para o estudo do documentário contemporâneo, que veja essa produção não necessariamente como um “espelho da realidade”, mas principalmente como mediador na busca de discussões na sociedade que dêem significados àquilo que se convencionou chamar de realidade.
A produção da cultura se dá nas inter-relações sociais, os fenômenos estéticos como produtos das estruturas que os determinam e das instituições que os promovem, considerando a cultura como um processo social de produção. Assim, a produtividade coletiva de sentidos de cada sociedade como forma de construção do seu modus vivendi constitui aquilo que chamamos de produção simbólica. Na sociedade contemporânea, a atuação dos meios de comunicação é elemento importante na construção da realidade social, em especial dos conteúdos simbólicos e da imagem que a sociedade e os diferentes grupos sociais fazem de si mesmos e dos outros.
Essa produção de sentidos que norteia o processo de representação de temas e personagens é a matéria-prima do realizador cultural, do escritor, do diretor de cinema. É a substância com que cria, a partir de uma realidade presente, essa outra realidade, a simbólica, como diz Cremilda Medina. O artista é o leitor da cultura, transita no que Boris Kosoy coloca para a fotografia na primeira realidade – observa, absorve, explora - e tem a sua produção autoral, a outra/segunda realidade, a produção de sentidos.
Como tratar essa segunda realidade a partir da observação e reelaboração de estruturas simbólicas? A fronteira entre realidade e irrealidade é muito tênue, e não é assunto para nossa discussão. A realidade na contemporaneidade parece que se dissolve, torna-se outra, uma pós-representação. Interessa as formas como ela é trabalhada. No caso do documentário, que eficazmente está tratando de temas e assuntos mais ligados à realidade social, cada diretor tem sua forma subjetiva de criar. No entanto, ao absorver conteúdos simbólicos estandartizados e as vezes viciados constrói em alguns casos outras realidades que estão distantes daquilo que se convencionou chamar de “retrato da realidade”. Na produção de documentários, portanto, nem tudo é verdade!
Destacamos como recorte neste texto o filme Favela Rising, documentário sobre a favela Vigário Geral e o grupo AfroReggae, os filmes Ônibus 174 e Estamira, com suas particularidades e complementaridades no trato da realidade. E fechamos o comentário com Jogo de Cena, o filme onde Eduardo Coutinho desconstrói seu próprio modus de fazer cinema e transforma praxis em teoria quando mistura depoimentos aparentemente reais com interpretações e produz um marco no cinema brasileiro ao discutir o que é realidade.

Estética e realidade
Na primeira cena de Favela Rising, um azul-mar borbulha e a tela abre em parte de um rosto iluminado, sobre um fundo preto. Esse rosto será o narrador que vai contar sua própria história, marcado por uma iluminação que o isola do fundo negro chapado, o conhecido truque do chroma-key . Logo uma câmera abre sobre a zona sul do Rio de Janeiro, o mar e os prédios de Copacabana, e um longo travelling sobe lentamente o morro em panorâmica que destaca os barracos como que desenhados sobre o acidente geográfico.
Essa mesma abertura está em Ônibus 174, a câmera na longa panorâmica em travelling saindo também do mar para cruzar o morro e parar no Jardim Botânico. Ela está presente em Santo Forte, de Eduardo Coutinho. Falando de outra geografia, aparece para localizar a fictícia Eldorado na abertura de Terra em Transe. E nos remete ao filme que abriu o terreno para o cinema moderno brasileiro: Rio 40º. A mesma cena que colou quase como estigma para identificar a cidade do Rio de Janeiro.
A abertura e a seqüência de Favela Rising provocam pela opção estética. Um excesso de cor ilustra na tela uma história já contada em outros filmes, antes de abrir para a trajetória pessoal de um narrador quase onipresente. E todo o filme constrói uma colagem de referências, desfila imagens já vistas em outros filmes, nos documentários da TV, nas reportagens da crônica policial. Imagens que procuram representar o universo da favela, mas que geram desconforto e beiram ao “falso”, com o excessivo tratamento estético. Em quase todo o filme, a aplicação de filtros, solarizações e fundos parecem criar duas relações distintas entre o primeiro plano e o fundo. A técnica fica evidente na reprodução de um show do grupo do qual o cantor está em primeiro plano, com uma casa colorida artificialmente de um azul pastel berrante ao fundo. Em outras cenas, a imagem recorrente da favela hipercolorida, isolada ou como fundo de um primeiro plano, parece uma tela de Volpi, os contornos dos barracos de alvenaria impregnados de cor. A imagem digital, com sua característica de imagem “chapada”, como observou McLuhan, não integra o que ele denomina figura e fundo.
Favela Rising procura reproduzir como produção simbólica - e é o retrovisor, como espetáculo - as contradições sociais das comunidades dos morros e favelas do Rio de Janeiro. Busca no tratamento estético da imagem o “tratamento criativo” dos conflitos sociais; quer estabelecer uma relação entre a realidade social da favela e sua representação ideal. Entretanto, perde o horizonte social, ao ver de cima uma realidade de planície, ampla e aberta. Para ganhar maior tangência com a realidade, o cineasta usa as referências que lhe são conhecidas e repete cenas inteiras vistas nos programas de jornalismo espetáculo, que se transformaram em mediador do ambiente da favela com suas equipes de repórteres e cinegrafistas que sobem o morro acompanhando os tiroteios da polícia com traficantes. Repete essas imagens-símbolo como referência porque essa é a imagem comum que se formou da representação simbólica da favela, construída principalmente pela mídia desde que a favela surgiu no Rio de Janeiro no final do século XIX. Os adolescentes com gorro na cabeça que descem o morro em câmera lenta com suas armas de grosso calibre repetem os estereótipos das imagens que eles próprios construíram para si e para a mídia. Assim, ao reproduzir os ícones que vemos na televisão, Favela Rising deixa de reelaborar criticamente o real e seus códigos de representação. Ao exacerbar com o estético, retrabalhando intensivamente o signo, a imagem icônica, produz uma representação “saturada” visualmente e repetitiva esteticamente de seu objeto de estudo, distanciando-se daquilo que Canclini coloca como uma das particularidades da cultura: a produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social.

Reinterpretando o real
No dia 12 de julho de 2000, os principais canais de TV transmitiram diretamente um acontecimento que abalou a cidade do Rio de Janeiro. Eram pouco mais de 15 horas, quando um jovem seqüestrou o ônibus número 174 e, perseguido pela polícia, obrigou o motorista a estacionar o veículo em uma avenida do bairro do Jardim Botânico, mantendo os passageiros como reféns. O material de TV é recuperado pelo diretor José Padilha para a construção de Ônibus 174 – a tentativa de descobrir no filme os fatos por trás do acontecimento.
O documentário opõe dois personagens constantes em uma vertente de cinema brasileiro contemporânea: de um lado o bandido, no papel do garoto seqüestrador que ameaça de morte os reféns. Do outro os mocinhos, os policiais. Mas esses personagens, principalmente Sandro Nascimento, o seqüestrador, mudam de posição com a evolução dos acontecimentos e a presença da mídia. Os policiais ficam paralisados, em um papel que são obrigados a assumir frente às câmeras de TV presentes durante toda a negociação. Sandro assimila da mídia a síndrome Big Brother e constrói um personagem próprio, uma figuração diferente do papel que desenvolve na vida real, e os depoimentos externos vão provar isso.
O documentário vai desmistificar o que foi veiculado pela mídia imediatista, trata criativamente uma realidade que não apareceu na TV. Mas a recriação avança para o inesperado e gera outras realidades paradoxais - a presença da mídia transforma o seqüestro em um espetáculo e Sandro, menino nascido na favela, que sobreviveu à chacina da Candelária e agora aponta a arma para uma das reféns, tem uma história, mas não é essa história que ele conta, vista de forma mais plena no documentário na interlocução que mantém com os policiais e com as câmeras de TV. Esther Hamburguer faz uma análise contundente sobre essa dicotomia que coloca na tela um personagem com duas realidades “A presença da mídia altera a performance de Sandro e, nesse caso específico, o filme permite a inferência de uma transformação”
José Padilha faz um trabalho de montagem, conta a história do evento baseado em material de arquivo e faz a contextualização da vida de Sandro. Acaba mostrando o “espetáculo” no qual o sequestrador se transforma em ator e encarna o personagem homem-mau, em torno do qual constrói e conta sua biografia. Sandro faz a apropriação dos meios de produção, toma posse do elemento de representação. A transmissão direta da TV não dá margem à reflexão, trabalha com a espontaneidade. Ônibus 174 mostra uma abrangência de depoimentos e informações e provoca uma outra interpretação sobre o episódio, “menos imediatista e superficial do que a apresentada pelos veículos de comunicação de massa”. Mesmo como espetáculo, ao contrapor esses depoimentos em uma polifonia de vozes, o filme permite que o espectador chegue ao final com um entendimento claro do que realmente aconteceu naquele dia e qual é o perfil verdadeiro de Sandro Nascimento.
Estamira toma com seu projeto cinematográfico o caminho inverso de 174. O filme de texto forte parece que procura esconder em parte das imagens a realidade do lixão que é seu ambiente principal de ação. O diretor Marcos Prado, fotógrafo em 174, deixa isso claro já na primeira grande seqüência, onde mostra o percurso que a personagem faz para chegar ao lixão. As imagens são editadas em preto-e-branco e granuladas, como o ponto estourado de uma foto, e como um aviso - não é bonito o que vamos ver. Mas quando abre para o lixão, o fotógrafo deixa a cor invadir sua câmera, constrói cenas de beleza impressionante, céus e fogo como moldura para o ambiente.
Marcos Prado vai usar o recurso da granulação e transformação da imagem durante algumas seqüências do filme, intercalando o preto e branco que “esconde” aquilo que no entanto está ali, exacerbado, nas imagens em cor. A realidade do lixão é evidente, mesmo com a beleza das imagens. Abutres e garças só se distinguem na cor, pois parecem pássaros tranqüilos em um vôo invernal. O autor inclusive – talvez sem perceber ou propositadamente - opta pelo enquadramento de planos fechados. Esse enquadramento, contudo, não evita o todo da imagem, ao contrário, potencializa o cenário aberto. O objeto de nosso olho escapa pelas laterais da tela, compondo uma imagem mais ampla, o enquadramento fechado abre espaço para um olhar mais abrangente.
Essa opção do cineasta mostra o diferencial e entre Estamira e Ônibus 174. O primeiro tenta esconder a realidade na manipulação de imagens e se contradiz ao abrir a câmera para a cor em choque com o discurso absolutamente pessoal, próprio e “verdadeiro” do personagem. Ônibus 174 é obrigado a buscar a verdade que não está na cobertura da televisão, no discurso construído do personagem e constrói outras realidades.

Um palco discute a realidade
É impossível falar de documentário e realidade sem referência a Eduardo Coutinho, o mestre do cinema-verdade no documentário brasileiro com seus personagens-sujeitos carregados de “veracidade”. Até Jogo de Cena, onde desconstrói seu próprio modus de fazer cinema e produz um marco no cinema brasileiro que deve aumentar a discussão sobre a questão da realidade no filme de não-ficção. Nem tudo é verdade, diz o cineasta do cinema-verdade!
O filme de Coutinho vem sintetizar o que discutimos. Não estão aqui os campos simbólicos onde transitam os personagens, mas o próprio cenário onde as entrevistas foram realizadas, o palco de um teatro, suas cadeiras e suas luzes, atuam como a simbologia máxima daquilo que o diretor coloca no título: Jogo de Cena. Tudo é encenado na vida, não existe separação entre o filme natural e o filme posado, como distinguia Paulo Emílio Salles Gomes, não existem barreiras entre documentário e ficção, parece dizer Coutinho. A verdade está intimamente ligada à personagem, aos fatos e ao que o diretor quer deles.
Jogo de Cena contrapõe depoimentos aparentemente reais, as falas de personagens sobre suas vidas, com a interpretação de atores profissionais dessas mesmas falas. Mas tudo começa a embaralhar quando o filme avança, não bastasse o espectador perceber que os depoimentos, por mais emocionais que sejam, vêem carregados de pré-juízos colocados pelas personagens quando olham para a câmera, pelas atrizes que se perdem entre interpretação e sentimento e pelo próprio diretor ao colocar suas intervenções.
Um prato típico para a catarse que os personagens incorporam – e catarse é a relação freudiana com a verdade, ou seja, e mais uma vez, nem tudo que se ouve é verdade!
A mulher que perde o marido depois de 25 anos de casamento e logo depois o filho que volta em sonho como anjo não se sabe se é personagem ou atriz, porque são duas mulheres desconhecidas que fazem depoimentos praticamente semelhantes. A garota que olha incisiva e se posiciona para a câmera parece dar a dica de que está interpretando um papel muito bem, quando afirma que em um momento da vida decidiu que seria atriz. A reumatóloga volta ao final para se reconciliar com Coutinho, com o público e com a própria filha – abertura que o diretor concede como se quisesse na canção emocionada do final dizer para o espectador: cinema é um jogo de cena, essa é a minha verdade, faça dela uma âncora para o seu próprio conhecimento e descoberta, porque, no cinema, nem tudo é verdade!